Introdução
Apesar de não ser condição obrigatória, muitos dos casos que necessitam de fisioterapia apresentam queixas como obstipação crónica, esforço para evacuar e sensação de evacuação incompleta. Sabia que essas disfunções intestinais estão, muitas vezes, relacionadas a desequilíbrios musculares, posturais e funcionais da pélvis e do próprio pavimento pélvico?
A fisioterapia pélvica é uma especialidade que trata disfunções dos músculos da pélvis, que têm um papel fundamental não só na continência urinária e fecal, mas também no suporte dos órgãos pélvicos e na evacuação. Deixamo-vos aqui uma publicação que explora a relação entre pavimento pélvico e o funcionamento intestinal, os sinais de alerta para disfunções e como a fisioterapia pode atuar na reeducação funcional do corpo.
1. Entender o papel do Pavimento Pélvico
O pavimento pélvico é um conjunto de músculos, ligamentos e fáscias localizados na base da pélvis. Essa estrutura sustenta órgãos como a bexiga, o útero (nas mulheres) e o reto, sendo responsável por funções como continência urinária e fecal, suporte visceral, estabilização do core e função sexual.
Durante o processo de evacuação, esses músculos devem ser capazes de relaxar para permitir a passagem das fezes. Quando há hipertonia (tensão excessiva), fraqueza ou descoordenação dessa musculatura, o resultado pode ser obstipação, esforço evacuatório ou sensação de evacuação incompleta.
2. Disfunções intestinais mais comuns associadas ao pavimento pélvico
Entre as principais condições que a fisioterapia pélvica pode tratar no que se refere ao funcionamento intestinal, destacam-se:
- Obstipação funcional crónica: evacuações pouco frequentes (menos de 3 vezes por semana), fezes endurecidas e esforço para evacuar;
- Disfunção da evacuação (ou “anismus”): dificuldade em relaxar a musculatura do pavimento pélvico durante a evacuação;
- Incontinência fecal: perda involuntária de fezes ou gases, muitas vezes associada à fraqueza muscular;
- Sensação de evacuação incompleta: desconforto frequente após ir ao banheiro;
- Uso de manobras digitodigitais: necessidade de pressionar a região perineal ou inserir o dedo no canal vaginal ou anal para facilitar a saída das fezes.
3. Fatores que contribuem para disfunções intestinais
Diversos fatores podem levar a uma disfunção do pavimento pélvico com impacto no intestino:
- Maus hábitos evacuativos (prender o intestino e uso excessivo de laxantes)
- Parto vaginal traumático ou múltiplos partos
- Cirurgias abdominais ou pélvicas
- Postura inadequada ao evacuar
- Ansiedade e estresse crônicos
- Histórico de abuso ou traumas na região pélvica
A musculatura do pavimento pélvico é altamente sensível ao estado emocional do indivíduo. O stress, a ansiedade e traumas, podem levar a um aumento da tensão muscular na região pélvica, o que interfere diretamente na evacuação.
4. Como a fisioterapia pélvica atua no tratamento do intestino
A fisioterapia pélvica tem uma abordagem global e individualizada, considerando fatores musculares, posturais, respiratórios e comportamentais. As principais estratégias incluem:
- Avaliação funcional detalhada
O primeiro passo é uma avaliação completa onde são questionados hábitos intestinais, rotina alimentar, uso de medicamentos, postura ao evacuar, funcionamento da musculatura do abdômen e do assoalho pélvico.
- Biofeedback
Técnica que utiliza sensores para mostrar, em tempo real, a atividade da musculatura do assoalho pélvico. Ajuda o paciente a entender como relaxar ou contrair adequadamente a região.
- Eletroestimulação funcional
Utilizada em alguns casos para estimular a musculatura hipoativa (fraca) ou para promover relaxamento em casos de hipertonia.
- Reeducação evacuatória
Ensina o paciente a reconhecer e responder corretamente ao reflexo de evacuação, sem esforço e sem manobras compensatórias.
- Exercícios respiratórios e de mobilidade
A respiração diafragmática é fundamental para a função intestinal. Trabalhar o movimento do diafragma, associado à mobilidade pélvica e abdominal, melhora a pressão intra-abdominal e favorece o reflexo evacuatório.
- Orientação postural e uso do banquinho
A posição correta para evacuar (com os pés apoiados em um banquinho, simulando uma posição de cócoras) facilita o alinhamento reto-anal, reduz a necessidade de esforço e previne lesões.
5. Educação e mudança de hábitos: parte essencial do tratamento
Grande parte do sucesso do tratamento depende da educação do paciente, daí ser fundamental orientar sobre:
- Importância de não “prender” a vontade de evacuar
- Procurar um nutricionista para complementar o tratamento
- Evitar o uso frequente de laxantes
- Manter uma rotina regular de idas ao banheiro
- Aumentar a ingestão de água e fibras
- Criar um ambiente favorável para evacuar, com privacidade e tempo
Conclusão
A fisioterapia pélvica é uma ferramenta poderosa e, muitas vezes, subestimada no tratamento de distúrbios intestinais. Ao trabalharmos com uma abordagem integrada, que considera o corpo como um sistema funcional e interdependente, veremos não só o alívio dos sintomas, mas também da qualidade de vida, autoestima e autonomia.
Se sofre de obstipação, esforço para evacuar, incontinência fecal ou outros sintomas intestinais recorrentes, considere procurar um fisioterapeuta pélvico. O cuidado com o pavimento pélvico pode ser a chave para um intestino saudável — e uma vida mais leve.
Referencias:
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